(Inclui alterações introduzidas por diplomas posteriores)

 

Lei de Saúde Mental

 

 

Lei n.º 36/98,

de 24 de Julho

 

 

ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA

 

 

            A Assembleia da República decreta, nos termos da alínea c) do artigo 161.º, das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 165.º e do n.º 3 do artigo 166.º da Constituição, para valer como lei geral da República, o seguinte:

 

 

CAPÍTULO I

Disposições gerais

 

Artigo 1.º

Objectivos

 

            A presente lei estabelece os princípios gerais da política de saúde mental e regula o internamento compulsivo dos portadores de anomalia psíquica, designadamente das pessoas com doença mental.

 

 

Artigo 2.º

Protecção e promoção da saúde mental

 

1 - A protecção da saúde mental efectiva-se através de medidas que contribuam para assegurar ou restabelecer o equilíbrio psíquico dos indivíduos, para favorecer o desenvolvimento das capacidades envolvidas na construção da personalidade e para promover a sua integração crítica no meio social em que vive.

2 - As medidas referidas no número anterior incluem acções de prevenção primária, secundária e terciária da doença mental, bem como as que contribuam para a promoção da saúde mental das populações.

 

 

Artigo 3.º

Princípios gerais de política de saúde mental

 

1 - Sem prejuízo do disposto na Lei de Bases da Saúde, devem observar-se os seguintes princípios gerais:

a)      A prestação de cuidados de saúde mental é promovida prioritariamente a nível da comunidade, por forma a evitar o afastamento dos doentes do seu meio habitual e a facilitar a sua reabilitação e inserção social;

a)      Os cuidados de saúde mental são prestados no meio menos restritivo possível;

b)      O tratamento de doentes mentais em regime de internamento ocorre, tendencialmente, em hospitais gerais;

c)      No caso de doentes que fundamentalmente careçam de reabilitação psicossocial, a prestação de cuidados é assegurada, de preferência, em estruturas residenciais, centros de dia e unidades de treino e reinserção profissional, inseridos na comunidade e adaptados ao grau específico de autonomia dos doentes.

2 - Nos casos previstos na alínea d) do número anterior, os encargos com os serviços prestados no âmbito da reabilitação e inserção social, apoio residencial e reinserção profissional são comparticipados em termos a definir pelos membros do Governo responsáveis pelas áreas da saúde, segurança social e emprego.

3 - A prestação de cuidados de saúde mental é assegurada por equipas multidisciplinares habilitadas a responder, de forma coordenada, aos aspectos médicos, psicológicos, sociais, de enfermagem e de reabilitação.

 

 

Artigo 4.º

Conselho Nacional de Saúde Mental

 

1 - O Conselho Nacional de Saúde Mental é o órgão de consulta do Governo em matéria de política de saúde mental, nele estando representadas as entidades interessadas no funcionamento do sistema de saúde mental, designadamente as associações de familiares e de utentes, os subsistemas de saúde, os profissionais de saúde mental e os departamentos governamentais com áreas de actuação conexas.

2 - A composição, as competências e o funcionamento do Conselho Nacional de Saúde Mental constam de decreto-lei.

 

 

Artigo 5.º

Direitos e deveres do utente

 

1 - Sem prejuízo do previsto na Lei de Bases da Saúde, o utente dos serviços de saúde mental tem ainda o direito de:

a)      Ser informado, por forma adequada, dos seus direitos, bem como do plano terapêutico proposto e seus efeitos previsíveis;

b)      Receber tratamento e protecção, no respeito pela sua individualidade e dignidade;

c)      Decidir receber ou recusar as intervenções diagnósticas e terapêuticas propostas, salvo quando for caso de internamento compulsivo ou em situações de urgência em que a não intervenção criaria riscos comprovados para o próprio ou para terceiros;

d)      Não ser submetido a electroconvulsivoterapia sem o seu prévio consentimento escrito;

e)      Aceitar ou recusar, nos termos da legislação em vigor, a participação em investigações, ensaios clínicos ou actividades de formação;

f)        Usufruir de condições dignas de habitabilidade, higiene, alimentação, segurança, respeito e privacidade em serviços de internamento e estruturas residenciais;

g)      Comunicar com o exterior e ser visitado por familiares, amigos e representantes legais, com as limitações decorrentes do funcionamento dos serviços e da natureza da doença;

h)      Receber justa remuneração pelas actividades e pelos serviços por ele prestados;

i)        Receber apoio no exercício dos direitos de reclamação e queixa.

2 - A realização de intervenção psicocirúrgica exige, além do prévio consentimento escrito, o parecer escrito favorável de dois médicos psiquiatras designados pelo Conselho Nacional de Saúde Mental.

3 - Os direitos referidos nas alíneas c), d) e e) do n.º 1 são exercidos pelos representantes legais quando os doentes sejam menores de 14 anos ou não possuam o discernimento necessário para avaliar o sentido e alcance do consentimento.

 

 

CAPÍTULO II

Do internamento compulsivo

 

SECÇÃO I

Disposições gerais

 

Artigo 6.º

Âmbito de aplicação

 

1 - O presente capítulo regula o internamento compulsivo dos portadores de anomalia psíquica.

2 - O internamento voluntário não fica sujeito ao disposto neste capítulo, salvo quando um internado voluntariamente num estabelecimento se encontre na situação prevista nos artigos 12.º e 22.º.

 

 

Artigo 7.º

Definições

 

Para efeitos do disposto no presente capítulo, considera-se:

a)      Internamento compulsivo: internamento por decisão judicial do portador de anomalia psíquica grave;

b)      Internamento voluntário: internamento a solicitação do portador de anomalia psíquica ou a solicitação do representante legal de menor de 14 anos;

c)      Internando: portador de anomalia psíquica submetido ao processo conducente às decisões previstas nos artigos 20.º e 27.º;

d)      Estabelecimento: hospital ou instituição análoga que permita o tratamento de portador de anomalia psíquica;

e)      Autoridades de saúde pública: as como tal qualificadas pela lei;

f)        Autoridades de polícia: os directores, oficiais, inspectores e subinspectores de polícia e todos os funcionários policiais a quem as leis respectivas reconhecerem aquela qualificação.

 

Artigo 8.º

Princípios gerais

 

1 - O internamento compulsivo só pode ser determinado quando for a única forma de garantir a submissão a tratamento do internado e finda logo que cessem os fundamentos que lhe deram causa.

2 - O internamento compulsivo só pode ser determinado se for proporcionado ao grau de perigo e ao bem jurídico em causa.

3 - Sempre que possível o internamento é substituído por tratamento em regime ambulatório.

4 - As restrições aos direitos fundamentais decorrentes do internamento compulsivo são as estritamente necessárias e adequadas à efectividade do tratamento e à segurança e normalidade do funcionamento do estabelecimento, nos termos do respectivo regulamento interno.

 

 

Artigo 9.º

Legislação subsidiária

 

Nos casos omissos aplica-se, devidamente adaptado, o disposto no Código de Processo Penal.

 

SECÇÃO II

Dos direitos e deveres

 

Artigo 10.º

Direitos e deveres processuais do internando

 

1 - O internando goza, em especial, do direito de:

a)      Ser informado dos direitos que lhe assistem;

b)      Estar presente aos actos processuais que directamente lhe disserem respeito, excepto se o seu estado de saúde o impedir;

c)      Ser ouvido pelo juiz sempre que possa ser tomada uma decisão que pessoalmente o afecte, excepto se o seu estado de saúde tornar a audição inútil ou inviável;

d)      Ser assistido por defensor, constituído ou nomeado, em todos os actos processuais em que participar e ainda nos actos processuais que directamente lhe disserem respeito e em que não esteja presente;

e)      Oferecer provas e requerer as diligências que se lhe afigurem necessárias.

2 - Recai sobre o internando o especial dever de se submeter às medidas e diligências previstas nos artigos 17.º, 21.º, 23.º, 24.º e 27.º.

 

Artigo 11.º

Direitos e deveres do internado

 

1 - O internado mantém os direitos reconhecidos aos internados nos hospitais gerais.

2 - O internado goza, em especial, do direito de:

a)      Ser informado e, sempre que necessário, esclarecido sobre os direitos que lhe assistem;

b)      Ser esclarecido sobre os motivos da privação da liberdade;

c)      Ser assistido por defensor constituído ou nomeado, podendo comunicar em privado com este;

d)      Recorrer da decisão de internamento e da decisão que o mantenha;

e)      Votar, nos termos da lei;

f)        Enviar e receber correspondência;

g)      Comunicar com a comissão prevista no artigo 38.º.

3 - O internado tem o especial dever de se submeter aos tratamentos medicamente indicados, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 5.º

 

 

SECÇÃO III

Internamento

 

Artigo 12.º

Pressupostos

 

1 - O portador de anomalia psíquica grave que crie, por força dela, uma situação de perigo para bens jurídicos, de relevante valor, próprios ou alheios, de natureza pessoal ou patrimonial, e recuse submeter-se ao necessário tratamento médico pode ser internado em estabelecimento adequado.

2 - Pode ainda ser internado o portador de anomalia psíquica grave que não possua o discernimento necessário para avaliar o sentido e alcance do consentimento, quando a ausência de tratamento deteriore de forma acentuada o seu estado.

 

Artigo 13.º

Legitimidade

 

1 - Tem legitimidade para requerer o internamento compulsivo o representante legal do portador de anomalia psíquica, qualquer pessoa com legitimidade para requerer a sua interdição, as autoridades de saúde pública e o Ministério Público.

2 - Sempre que algum médico verifique no exercício das suas funções uma anomalia psíquica com os efeitos previstos no artigo 12.º pode comunicá-la à autoridade de saúde pública competente para os efeitos do disposto no número anterior.

3 - Se a verificação ocorrer no decurso de um internamento voluntário, tem também legitimidade para requerer o internamento compulsivo o director clínico do estabelecimento.

 

Artigo 14.º

Requerimento

 

1 - O requerimento, dirigido ao tribunal competente, é formulado por escrito, sem quaisquer formalidades especiais, devendo conter a descrição dos factos que fundamentam a pretensão do requerente.

2 - Sempre que possível, o requerimento deve ser instruído com elementos que possam contribuir para a decisão do juiz, nomeadamente relatórios clínico-psiquiátricos e psicossociais.

 

Artigo 15.º

Termos subsequentes

 

1 - Recebido o requerimento, o juiz notifica o internando, informando-o dos direitos e deveres processuais que lhe assistem, e nomeia-lhe um defensor, cuja intervenção cessa se ele constituir mandatário.

2 - O defensor e o familiar mais próximo do internando que com ele conviva ou a pessoa que com o internando viva em condições análogas às dos cônjuges são notificados para requerer o que tiverem por conveniente no prazo de cinco dias.

3 - Para os mesmos efeitos, e em igual prazo, o processo vai com vista ao Ministério Público.

 

Artigo 16.º

Actos instrutórios

 

1 - O juiz, oficiosamente ou a requerimento, determina a realização das diligências que se lhe afigurem necessárias e, obrigatoriamente, a avaliação clínico-psiquiátrica do internando, sendo este para o efeito notificado.

2 - No caso previsto no n.º 3 do artigo 13.º, o juiz pode prescindir da avaliação referida no número anterior, designando de imediato data para a sessão conjunta nos termos do artigo 18.º.

 

Artigo 17.º

Avaliação clínico-psiquiátrica

 

1 - A avaliação clínico-psiquiátrica é deferida aos serviços oficiais de assistência psiquiátrica da área de residência do internando, devendo ser realizada por dois psiquiatras, no prazo de 15 dias, com a eventual colaboração de outros profissionais de saúde mental.

2 - A avaliação referida no número anterior pode, excepcionalmente, ser deferida ao serviço de psiquiatria forense do instituto de medicina legal da respectiva circunscrição.

 3 - Sempre que seja previsível a não comparência do internando na data designada, o juiz ordena a emissão de mandado de condução para assegurar a presença daquele.

4 - Os serviços remetem o relatório ao tribunal no prazo máximo de sete dias.

5 - O juízo técnico-científico inerente à avaliação clínico-psiquiátrica está subtraído à livre apreciação do juiz.

 

 

Artigo 18.º

Actos preparatórios da sessão conjunta

 

1 - Recebido o relatório da avaliação clínico-psiquiátrica, o juiz designa data para a sessão conjunta, sendo notificados o internando, o defensor, o requerente e o Ministério Público.

2 - O juiz pode convocar para a sessão quaisquer outras pessoas cuja audição reputar oportuna, designadamente o médico assistente, e determinar, oficiosamente ou a requerimento, que os psiquiatras prestem esclarecimentos complementares, devendo ser-lhes comunicado o dia, a hora e o local da realização da sessão conjunta.

3 - Se houver discordância entre os psiquiatras, apresenta cada um o seu relatório, podendo o juiz determinar que seja renovada a avaliação clínico-psiquiátrica a cargo de outros psiquiatras, nos termos do artigo 17.º.

 

Artigo 19.º

Sessão conjunta

 

1 - Na sessão conjunta é obrigatória a presença do defensor do internando e do Ministério Público.

2 - Ouvidas as pessoas convocadas, o juiz dá a palavra para alegações sumárias ao mandatário do requerente, se tiver sido constituído, ao Ministério Público e ao defensor e profere decisão de imediato ou no prazo máximo de cinco dias se o procedimento revestir complexidade.

3 - Se o internando aceitar o internamento e não houver razões para duvidar da aceitação, o juiz providencia a apresentação deste no serviço oficial de saúde mental mais próximo e determina o arquivamento do processo.

 

Artigo 20.º

Decisão

 

1 - A decisão sobre o internamento é sempre fundamentada.

2 - A decisão de internamento identifica a pessoa a internar e especifica as razões clínicas, o diagnóstico clínico, quando existir, e a justificação do internamento.

3 - A decisão é notificada ao Ministério Público, ao internando, ao defensor e ao requerente. A leitura da decisão equivale à notificação dos presentes.

 

Artigo 21.º

Cumprimento da decisão de internamento

 

1 - Na decisão de internamento o juiz determina a apresentação do internado no serviço oficial de saúde mental mais próximo, o qual providencia o internamento imediato.

2 - O juiz emite mandado de condução com identificação da pessoa a internar, o qual é cumprido, sempre que possível, pelo serviço referido no número anterior, que, quando necessário, solicita a coadjuvação das forças policiais.

3 - Não sendo possível o cumprimento nos termos do número anterior, o mandado de condução pode ser cumprido pelas forças policiais, que, quando necessário, solicitam o apoio dos serviços de saúde mental ou dos serviços locais de saúde.

4 - Logo que determinado o local definitivo do internamento, que deverá situar-se o mais próximo possível da residência do internado, aquele é comunicado ao defensor do internado e ao familiar mais próximo que com ele conviva, à pessoa que com ele viva em condições análogas às dos cônjuges ou a pessoa de confiança do internado.

 

 

SECÇÃO IV

Internamento de urgência

 

Artigo 22.º

Pressupostos

 

O portador da anomalia psíquica pode ser internado compulsivamente de urgência, nos termos dos artigos seguintes, sempre que, verificando-se os pressupostos do artigo 12.º, n.º 1, exista perigo iminente para os bens jurídicos aí referidos, nomeadamente por deterioração aguda do seu estado.

 

 

Artigo 23.º

Condução do internando

 

1 - Verificados os pressupostos do artigo anterior, as autoridades de polícia ou de saúde pública podem determinar, oficiosamente ou a requerimento, através de mandado, que o portador de anomalia psíquica seja conduzido ao estabelecimento referido no artigo seguinte.

2 - O mandado é cumprido pelas forças policiais, com o acompanhamento, sempre que possível, dos serviços do estabelecimento referido no artigo seguinte. O mandado contém a assinatura da autoridade competente, a identificação da pessoa a conduzir e a indicação das razões que o fundamentam.

3 - Quando, pela situação de urgência e de perigo na demora, não seja possível a emissão prévia de mandado, qualquer agente policial procede à condução imediata do internando.

4 - Na situação descrita no número anterior o agente policial lavra auto em que discrimina os factos, bem como as circunstâncias de tempo e de lugar em que a mesma foi efectuada.

5 - A condução é comunicada de imediato ao Ministério Público com competência na área em que aquela se iniciou.

 

Artigo 24.º

Apresentação do internando

 

O internando é apresentado de imediato no estabelecimento com urgência psiquiátrica mais próximo do local em que se iniciou a condução, onde é submetido a avaliação clínico-psiquiátrica com registo clínico e lhe é prestada a assistência médica necessária.

 

Artigo 25.º

Termos subsequentes

 

1 - Quando da avaliação clínico-psiquiátrica se concluir pela necessidade de internamento e o internando a ele se opuser, o estabelecimento comunica, de imediato, ao tribunal judicial com competência na área a admissão daquele, com cópia do mandado e do relatório da avaliação.

2 - Quando a avaliação clínico-psiquiátrica não confirmar a necessidade de internamento, a entidade que tiver apresentado o portador de anomalia psíquica restitui-o de imediato à liberdade, remetendo o expediente ao Ministério Público com competência na área em que se iniciou a condução.

3 - O disposto no n.º 1 é aplicável quando na urgência psiquiátrica ou no decurso de internamento voluntário se verifique a existência da situação descrita no artigo 22.º.

 

Artigo 26.º

Confirmação judicial

 

1 - Recebida a comunicação referida no n.º 1 do artigo anterior, o juiz nomeia defensor ao internando e dá vista nos autos ao Ministério Público.

2 - Realizadas as diligências que reputar necessárias, o juiz profere decisão de manutenção ou não do internamento, no prazo máximo de quarenta e oito horas a contar da privação da liberdade nos termos dos artigos 23.º e 25.º, n.º 3.

3 - A decisão de manutenção do internamento é comunicada, com todos os elementos que a fundamentam, ao tribunal competente.

4 - A decisão é comunicada ao internando e ao familiar mais próximo que com ele conviva ou à pessoa que com o internando viva em condições análogas às dos cônjuges, bem como ao médico assistente, sendo aquele informado, sempre que possível, dos direitos e deveres processuais que lhe assistem.

 

Artigo 27.º

Decisão final

 

1 - Recebida a comunicação a que se refere o n.º 3 do artigo anterior, o juiz dá início ao processo de internamento compulsivo com os fundamentos previstos no artigo 12º., ordenando para o efeito que, no prazo de cinco dias, tenha lugar nova avaliação clínico-psiquiátrica, a cargo de dois psiquiatras que não tenham procedido à anterior, com a eventual colaboração de outros profissionais de saúde mental.

2 - É ainda correspondentemente aplicável o disposto no artigo 15.º

3 - Recebido o relatório da avaliação clínico-psiquiátrica e realizadas as demais diligências necessárias, é designada data para a sessão conjunta, à qual é correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 18.º, 19.º, 20.º e 21.º, n.º 4.

 

 

SECÇÃO V

Casos especiais

 

Artigo 28.º

Pendência de processo penal

 

1 - A pendência de processo penal em que seja arguido portador de anomalia psíquica não obsta a que o tribunal competente decida sobre o internamento nos termos deste diploma.

2 - Em caso de internamento, o estabelecimento remete ao tribunal onde pende o processo penal, de dois em dois meses, informação sobre a evolução do estado do portador de anomalia psíquica.

 

 

Artigo 29.º

Internamento compulsivo de inimputável

 

1 - O tribunal que não aplicar a medida de segurança prevista no artigo 91.º do Código Penal pode decidir o internamento compulsivo do inimputável.

2 - Sempre que seja imposto o internamento é remetida certidão da decisão ao tribunal competente para os efeitos do disposto nos artigos 33.º, 34.º e 35.º.

 

 

SECÇÃO VI

Disposições comuns

 

Artigo 30.º (1)

Regras de competência

 

1 - Para efeitos do disposto no presente capítulo, tribunal competente é o tribunal judicial de competência genérica da área de residência do internando.

2 - Se na comarca da área de residência do internando o tribunal judicial for desdobrado em juízos criminais ou, na falta destes, em juízos de competência especializada criminal, a competência caberá a estes. 

 

Artigo 31.º

Habeas corpus em virtude de privação da liberdade ilegal

 

1 - O portador de anomalia psíquica privado da liberdade, ou qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos, pode requerer ao tribunal da área onde o portador se encontrar a imediata libertação com algum dos seguintes fundamentos:

a)      Estar excedido o prazo previsto no artigo 26.º, n.º 2;

b)      Ter sido a privação da liberdade efectuada ou ordenada por entidade incompetente;

c)       Ser a privação da liberdade motivada fora dos casos ou condições previstas nesta lei.

2 - Recebido o requerimento, o juiz, se o não considerar manifestamente infundado, ordena, se necessário por via telefónica, a apresentação imediata do portador da anomalia psíquica.

3 - Juntamente com a ordem referida no número anterior, o juiz manda notificar a entidade que tiver o portador da anomalia psíquica à sua guarda, ou quem puder representá-la, para se apresentar no mesmo acto munida das informações e esclarecimentos necessários à decisão sobre o requerimento.

4 - O juiz decide, ouvidos o Ministério Público e o defensor constituído ou nomeado para o efeito.

 

Artigo 32.º

Recorribilidade da decisão

 

1 - Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, da decisão tomada nos termos dos artigos 20.º 26.º, n.º 2, 27.º, n.º 3, e 35.º cabe recurso para o Tribunal da Relação competente.

2 - Tem legitimidade para recorrer o internado, o seu defensor, quem requerer o internamento nos termos do artigo 13.º, n. º1, e o Ministério Público.

3 - Todos os recursos previstos no presente capítulo têm efeito meramente devolutivo.

 

Artigo 33.º

Substituição do internamento

 

1 - O internamento é substituído por tratamento compulsivo em regime ambulatório sempre que seja possível manter esse tratamento em liberdade, sem prejuízo do disposto nos artigos 34.º e 35.º

2 - A substituição depende de expressa aceitação, por parte do internado, das condições fixadas pelo psiquiatra assistente para o tratamento em regime ambulatório.

3 - A substituição é comunicada ao tribunal competente.

4 - Sempre que o portador da anomalia psíquica deixe de cumprir as condições estabelecidas, o psiquiatra assistente comunica o incumprimento ao tribunal competente, retomando-se o internamento.

5 - Sempre que necessário, o estabelecimento solicita ao tribunal competente a emissão de mandados de condução a cumprir pelas forças policiais.

 

Artigo 34.º

Cessação do internamento

 

1 - O internamento finda quando cessarem os pressupostos que lhe deram origem.

2 - A cessação ocorre por alta dada pelo director clínico do estabelecimento, fundamentada em relatório de avaliação clínico-psiquiátrica do serviço de saúde onde decorreu o internamento, ou por decisão judicial.

3 - A alta é imediatamente comunicada ao tribunal competente.

 

 

Artigo 35.º

Revisão da situação do internado

 

1 - Se for invocada a existência de causa justificativa da cessação do internamento, o tribunal competente aprecia a questão a todo o tempo.

2 - A revisão é obrigatória, independentemente de requerimento, decorridos dois meses sobre o início do internamento ou sobre a decisão que o tiver mantido.

3 - Tem legitimidade para requerer a revisão o internado, o seu defensor e as pessoas referidas no artigo 13.º, n.º 1.

4 - Para o efeito do disposto no n.º 2 o estabelecimento envia, até 10 dias antes da data calculada para a revisão, um relatório de avaliação clínico-psiquiátrica elaborado por dois psiquiatras, com a eventual colaboração de outros profissionais de saúde mental.

5 - A revisão obrigatória tem lugar com audição do Ministério Público, do defensor e do internado, excepto se o estado de saúde deste tornar a audição inútil ou inviável.

 

 

SECÇÃO VII

Da natureza e das custas do processo

 

Artigo 36.º

Natureza do processo

 

Os processos previstos no presente capítulo têm natureza secreta e urgente.

 

Artigo 37.º

Custas

 

Os processos previstos neste capítulo são isentos de custas.

 

 

SECÇÃO VIII

Comissão de acompanhamento

 

Artigo 38.º

Criação e atribuições

 

É criada uma comissão para acompanhamento da execução do disposto no presente capítulo, seguidamente designada por «comissão».

 

 

(...)

 

 

SECÇÃO VIII

Comissão de acompanhamento

 

Artigo 40.º

Composição

 

A comissão é constituída por psiquiatras, juristas, por um representante das associações de familiares e utentes de saúde mental e outros técnicos de saúde mental, nomeados por despacho conjunto dos Ministros da Justiça e da Saúde.

 

Artigo 41.º

Competências

 

Incumbe especialmente à comissão:

a)      Visitar os estabelecimentos e comunicar directamente com os internados;

b)      Solicitar ou remeter a quaisquer entidades administrativas ou judiciárias informações sobre a situação dos internados;

c)      Receber e apreciar as reclamações dos internados ou das pessoas com legitimidade para requerer o internamento sobre as condições do mesmo;

d)      Solicitar ao Ministério Público junto do tribunal competente os procedimentos judiciais julgados adequados à correcção de quaisquer situações de violação da lei que verifique no exercício das suas funções;

e)      Recolher e tratar a informação relativa à aplicação do presente capítulo;

f)        Propor ao Governo as medidas que julgue necessárias à execução da presente lei.

 

 

CAPÍTULO III

Disposições transitórias e finais

 

SECÇÃO I

Disposições transitórias

 

Artigo 45.º

Disposições transitórias

 

1 - Os processos instaurados à data da entrada em vigor do presente diploma continuam a ser regulados pela Lei n.º 2118, de 3 de Abril de 1963, até à decisão que aplique o internamento.

2 - Os estabelecimentos hospitalares que tenham doentes internados compulsivamente ao abrigo da lei referida no número anterior, no prazo de dois meses após a entrada em vigor da presente lei, comunicam ao tribunal competente a situação clínica desses doentes e os fundamentos do respectivo internamento e identificam o processo onde tenha sido proferida a decisão que o determinou.

3 - Quando a decisão de internamento seja proferida após a entrada em vigor da presente lei, o prazo referido no número anterior conta-se após o início da execução da decisão que tenha determinado o internamento.

4 - O tribunal solicita à entidade que determinou o internamento o processo em que a decisão foi proferida e, uma vez recebido, dá cumprimento ao disposto no artigo 35.º da presente lei.

 

SECÇÃO II

Disposições finais

 

Artigo 46.º

Gestão do património dos doentes

 

A gestão do património dos doentes mentais não declarados incapazes é regulada por decreto-lei.

 

 

(1) Alterado pela Lei n.º 101/99 de 26 de Julho